Zé Neto

ICONES DE BRASILÉIA E EPITACIOLANDIA POR IVANA CRISTINA
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colunista: Ivana Cristina
Colaboração: Wanderléia Rocha
Ícones de Brasileia/Epitaciolândia

Quando eu era criança, ouvi uma história de um homem que tinha um caixão dentro de casa, seu nome era José da Cruz Neto, Zé Neto, para a maioria das pessoas. Achei estranho! Como alguém vivo, tinha um caixão dentro de casa?
O tempo passou, cresci e fui trabalhar no escritório de contabilidade (CONTAB), do Edmilson Rufino.
Minha primeira tarefa, foi entregar uma guia de imposto para o Senhor Zé Neto.
Cheguei de mansinho no Comércio e apenas uma “banda” da porta estava aberta e uma janela semiaberta. Na penumbra vislumbrei o “homem do caixão”.
Não era o homem que povoou os meus pesadelos, quando criança. Era um senhor de meia idade, grisalhos como tantos que tem por aí. Mas, quando ele me olhou, por trás de um grande balcão, recheado de bugigangas, dos mais variados tipos, vi o caixão. Senti um frio na “espinha” e encarei o “homem”.
-O que veio fazer aqui? Vai comprar alguma coisa?
Não sei o que respondi e nem como saí de lá.
Mas, ao chegar no escritório estava trêmula. Na labuta do dia a dia, passei a conhecer através dos documentos que eu manuseava, o empresário. Um homem extremamente correto, pagava seus impostos em dia. Não tinha dívidas com o Banco, nem com ninguém. Um fato curioso é que guardava até os bilhetes das passagens que fazia para Rio Branco. Ele tinha controle de tudo. Sabia para onde ia cada centavo que gastava. Seu comércio era “sortido”, tinha de tudo e se perguntasse o preço de algum produto por três vezes, ele “convidava” a se retirar da loja e procurar outro lugar para comprar. Não tinha tempo a perder com nada e com ninguém. Era homem de pouquíssimas palavras. Mas, de ações surpreendentes, varria diariamente a calçada, cultivava flores e regava os benjamins da Rua Major Salinas e, no final da tarde, pedalava em sua bicicleta rústica pela cidade. Percorria grandes distâncias deixando qualquer “garoto” no chinelo.
Zé Neto era taciturno. Cumpria pontualmente o horário de abrir e fechar a loja, sempre com pausa para o almoço. E isso valia para quem trabalhava para ele, seja na carpintaria ou alvenaria.
Certa vez, um pedreiro tinha feito um “traço de massa”, mas não percebeu o horário. Seu Zé “gentilmente” convidou a retirar-se porque já era o horário da saída. E a massa “acordou” endurecida.
Católico fervoroso, assistia à missa pela manhã, na Igreja Nossa Senhora das Dores, chegava pontualmente às 7h e saía às 8h, mesmo que a missa não tivesse
chegado ao fim(era extremamente rígido com horários). Usava sempre uma blusa e uma calça branca(amarrotada pelo tempo) para ir à missa, esse era seu “traje dominical”. Só comungava, se o Padre fosse colocar a hóstia na sua boca, onde estava sentado. Se não o fizesse, ele não comungava.
Zé Neto enfrentou diversas alagações, mas os caixões, destruídos por lama ou por cupim, foram imediatamente substituídos por outro. Era um homem muito rígido e para ele “pau era pau e pedra era pedra”. Com o passar do tempo, abria esporadicamente seu Estabelecimento Comercial, já não tinha tantos produtos para comercializar quanto outrora, a enchente tinha destruído quase tudo.
Soube por terceiros que seu Zé Neto tinha falecido. O velório teve hora para começar e uma pausa, às 18h, As pessoas presentes foram “gentilmente convidadas” a se retirarem para suas casas. Fecharam-se as portas e no outro dia, pontualmente às 7h o velório recomeçou. Era um homem enigmático. Admirado por alguns e incompreendido por muitos. Uma figura lendária na história de Brasileia.
José Neto, descansa em paz!