Tragicomédia Reprisada no Acre: quando a Justiça muda o roteiro, o púlpito moral de Jorge Viana entra em crise

Política
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Reportagem: Helizardo Guerra 

A política acreana voltou a flertar com o gênero tragicomédia — desta vez com roteiro conhecido e protagonista reincidente. Após a anulação da condenação do governador Gladson Cameli, o que se seguiu nas redes sociais e em blogs alinhados foi menos uma análise jurídica e mais um espetáculo de indignação seletiva. Um enredo conduzido por quem já abandonou há tempos o figurino de “bom moço”, mas insiste em manter o púlpito da moralidade alheia impecavelmente montado.

A condenação de Gladson Cameli a 25 anos e 9 meses de prisão em regime fechado — com direito a manchetes estridentes e discursos quase escatológicos — havia sido vendida como o “capítulo final” da vida política do governador. Para alguns, tratava-se de uma espécie de juízo final republicano. Em especial para Jorge Viana, que tratou o episódio como uma das maiores vergonhas da história recente do Acre, com a segurança retórica típica de quem sempre fala do alto de uma suposta superioridade ética.

A decisão que projetou o Acre no noticiário nacional veio pelas mãos da ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça. Mas bastou o cenário jurídico se rearranjar para que o tom também sofresse uma metamorfose — não em direção à sobriedade, mas ao ressentimento público cuidadosamente encenado.

Entre postagens carregadas de dramaticidade e lamentos quase coreografados, o atual presidente da ApexBrasil fez questão de registrar sua inconformidade. Em publicação no Instagram, declarou que “não há qualquer motivo para comemoração” e que nenhum acreano deveria se sentir confortável diante da condenação de um chefe do Executivo por corrupção. Uma observação correta — ainda que pronunciada com o oportunismo clássico de quem só reconhece a complexidade do sistema de Justiça quando este deixa de confirmar suas convicções políticas.

O incômodo, porém, não está na frase, mas no personagem que a vocaliza. O zelo moral tardio soa menos como compromisso institucional e mais como um desabafo mal digerido de quem insiste em distribuir lições de cidadania sem jamais olhar para o próprio retrovisor político. Afinal, a Justiça só é altiva quando condena adversários; quando contraria expectativas, passa a ser frágil, falha ou convenientemente “vergonhosa”.

No fim das contas, o Acre assiste a mais um capítulo de um roteiro já conhecido: decisões judiciais transformadas em palanque, redes sociais convertidas em tribunais paralelos e discursos inflamados que revelam mais sobre frustrações pessoais do que sobre ética pública. Enquanto isso, a população — esta sim — segue aguardando menos sermão, menos espetáculo e, quem sabe um dia, um pouco mais de coerência.