Na última terça-feira (18), o ex-presidente Jair Bolsonaro foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), ao Supremo Tribunal Federal (STF), por tentativa de golpe de Estado e outros crimes como liderança de organização criminosa armada, grave ameaça contra o patrimônio da união, entre outras ações.
Preferido pela maioria do leitorado evangélico, os acontecimentos dessa semana criaram um clima de incertezas no cenário político para 2026. Mas qual deve ser a postura da igreja em meio a esse turbilhão todo e como isso impactará as próximas eleições?
“Acredito que a denúncia muda pouco o cenário eleitoral. Como toda base populista, o bolsonarismo conta com um grupo de eleitores que vota nele independentemente de qualquer coisa. É um compromisso de fé, literalmente. Não sou jurista e, como leigo, não posso avaliar a força jurídica da denúncia, mas sua gravidade, ao menos do ponto de vista moral, é evidente”, afirma o teólogo e escritor especialista em política, Gutierres Fernandes.
Ele lembra que o próprio Bolsonaro chegou a admitir que havia recebido propostas para ‘virar a mesa’. “Golpe de Estado não é brincadeira; trata-se da destruição do Estado, da Constituição e do tecido social. É uma crise gravíssima, pois pode comprometer o próprio sistema de justiça e a legalidade de um país. Infelizmente, muitos não compreendem a gravidade de um golpe de Estado”, enfatiza.
Para o teólogo, autor do livro “Quem tem medo dos evangélicos?: Religião e democracia no Brasil de hoje“, países instáveis, marcados por históricos de golpes e contragolpes, não se desenvolvem e, muitas vezes, retrocedem. “A democracia liberal, republicana, o Estado de Direito e o império das leis são os pilares que sustentam a prosperidade das nações”.
Por outro lado, Fernandes afirma que igreja sempre sofre prejuízo quando se associa diretamente à política. “Quando um candidato é apresentado como ‘o candidato da igreja’, todos os erros desse candidato inevitavelmente recaem sobre a própria igreja. É uma questão de lógica. A instrumentalização política da fé transforma a comunidade cristã em refém dos escândalos, incoerências e fracassos de figuras públicas que, muitas vezes, não representam genuinamente os valores do evangelho, mas apenas os utilizam para fins eleitorais”, alerta.
União entre igreja e Estado é um sinal de alerta
Na sua visão, um dos maiores riscos para a sociedade é quando a igreja tenta se unir ao Estado, experiência essa que, ao longo da história, nunca deu certo. O teólogo acredita que esse distanciamento é necessário e que isso mantém a autoridade moral da igreja e o seu testemunho diante do mundo.
Jornalista e teólogo Gutierres Fernandes, autor do livro “Quem tem medo dos evangélicos?”, pela Editora Mundo Cristão. Foto: Arquivo Pessoal.
“Ao longo da história, sempre que a igreja se fundiu ao Estado, sua missão foi comprometida. É essencial retomarmos um princípio que nasceu com os antigos batistas e que foi central para a construção das democracias modernas: a separação entre Igreja e Estado. Essa separação não significa hostilidade à fé ou marginalização da influência cristã na sociedade, mas sim a preservação da integridade da igreja e da liberdade religiosa”, justifica.
Fernandes faz questão de ressaltar que o evangelho não precisa do Estado para avançar e a igreja não precisa do favor de governantes para cumprir sua missão. “Sua força está no Espírito Santo, não no apoio de partidos ou líderes terrenos. Quando a igreja abandona essa verdade, corre o risco de se tornar irrelevante espiritualmente, trocando sua vocação profética por mero ativismo político”, adverte o teólogo, que completa:
“O compromisso da igreja deve ser com o Reino de Deus, não com projetos de poder. O que transforma a sociedade não são alianças políticas passageiras, mas a fidelidade à mensagem de Cristo. O verdadeiro impacto cristão na esfera pública ocorre não quando a igreja se torna uma força eleitoral, mas quando seus membros vivem e testemunham o Evangelho”.