Unidos de Vila Isabel. Foto: Marco Antonio Teixeira / RioTur
“No carnaval deste ano ninguém fez enredo. Quem fez enredo foram os orixás”, disse Carlinhos Brown na TV em uma fala que reverberou entre os foliões que saúdam o carnaval de 2022. Após dois anos sem ir à avenida, as escolas fizeram o carnaval mais macumbeiro de todos conforme diversos foliões e agremiações, trazendo símbolos, entidades e temas diversos sobre as religiões de matriz africana à Sapucaí e ao Anhembi em 2022. “Viva a nova reafricanização do Brasil. Que entendam que esse é um caminho de paz”, disse o cantor, em outro momento, quando se preparava na concentração da Mocidade.
“Desde a criação do sambódromo, nunca vi um comunicação sobre reafricanização no Brasil com tamanha força. As escolas, mais do que nunca, assumem sua espiritualidade”, afirmou Brown ao Globo. Ele desfilou à frente da bateria da Mocidade, com seus quase 300 integrantes carecas, em alusão a ofé, uma das representações de Oxóssi. “O Batuque ao caçador é a congratulação de tudo o que o carnaval representa esse ano”, disse fazendo referência ao samba-enredo.
Para a cientista política Nailah Neves, é “extremamente simbólico que o Carnaval logo após a pandemia seja o mais macumbeiro de todos”. Para Carlinhos já estava dito. As escolas se uniram em xiré para reafricanizar o Brasil no carnaval deste ano.
Nailah complementa: “É sim pro mundo e pro Brasil saber das nossas origens negras, da origem do samba. Precisamos começar a falar que os terreiros não são apenas espaços de religiões de matrizes africanas, eles são também espaços de povos e comunidades tradicionais que mantiveram vivos a memória ancestral apesar de toda violência do Estado e da Igreja”.
Grande Rio. Foto: Gustavo Domingues / RioTur
“Eu espero ver vocês que amam orixá, no carnaval (e na internet), dentro dos terreiros”, provocou o comunicador Roger Cipó. Naila ainda resgata: “o samba é tecnologia nossa”, em sintonia com diversos outros foliões que apontaram que o carnaval sempre foi preto e ligado diretamente às raízes africanas resistindo ano a ano ao processo de embranquecimento.
Foram pelo menos 11 escolas do grupo especial de São Paulo e Rio de Janeiro que tiveram no enredo a cultura afrocentrada. No Rio de Janeiro boa parte delas faz referência a Orixás e símbolos da cultura vinda de África.
Paraíso do Tuiuti apresentou “Ka Ríba Tí Ÿe – Que Nossos Caminhos se Abram”, celebrando os ensinamentos dos orixás, enquanto a Portela cantou sobre o Baobá, árvore sagrada do tempo, com o enredo “Igi Osè Baobá”. Já a Mocidade Independente homenageia Oxóssi com “Batuque ao Caçador” enquanto a Grande Rio procurou desmistificar Exu na avenida com “Fala, Majeté! As sete chaves de Exu”. O Salgueiro evocou o Preto Velho para levar o público para os espaços de residência negra da cidade.
Falando dos personagens negros e de seus feitos intelectuais para sociedade brasileira, a Beija-Flor trouxe o enredo “Empretecer o pensamento é ouvir da voz da Beija-Flor”.
Já na capital paulista os temas surgiram de forma diversa: Vai-vai, de volta ao Grupo Especial, traz um enredo baseado em Sankofa, um provérbio africano sobre a volta ao passado para a construção de um futuro melhor. Águia de Ouro fez um afoxé no Anhembi, exaltando cultura afro-brasileira, num grito contra a intolerância religiosa guiado por Oxalá.
A Barroca Zona Sul homenageou o Zé Pelintra, uma das mais importantes entidades de cultos afro-brasileiros. Outra que se apoia na imagem do velho sábio é a Acadêmicos do Tatuapé que contou a história do café através do Preto-Velho.