Nos quatro anos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), segundo os dados do Portal da Transparência, o Programa de Proteção e Recuperação da Saúde Indígena teve um orçamento de R$ 6,13 bilhões. No entanto, foram gastos somente R$ 5,44 bilhões.
De acordo com informações do jornal O Globo, a entidade que mais recebeu recursos foi uma ONG evangélica chamada Missão Caiuá. A ONG, sediada no Mato Grosso do Sul, recebeu R$ 872 milhões nesses quatro anos e diz “estar a serviço do índio para a glória de Deus”.
O presidente da Urihi Associação Yanomami, Júnior Hekurari Yanomami, explica que a ONG Caiuá realiza apenas a contratação de funcionários, a exemplo de médicos e enfermeiros. No entanto, eles não têm entrado nas terras indígenas durante nesse período, ou seja, recebem salários, mas não executam nenhum tipo de trabalho.
O Portal da Transparência ainda mostra que R$ 51 milhões de um orçamento de R$ 59 milhões em 2022 foram executados para as terras indígenas yanomamis. Júnior Hekurari, por sua vez, destaca que a maior parte desses recursos foi utilizada para a contratação de empresas de transporte aéreo.
Ainda segundo o jornal O Globo, uma outra fonte que trabalhou na Funai aponta que muitos dos aviões e helicópteros que levam médicos e funcionários à região, tem como donos os próprios garimpeiros que passaram a diversificar os seus negócios.
“O que houve foi descaso e crime. O dinheiro foi mal gasto e mal planejado. Quase tudo foi gasto com “aéreo”. Avião e helicóptero para levar profissionais dentro do território, mas apenas na hora da emergência, quando muitas vezes já é tarde demais. Como a ambulância do SAMU nas cidades. Não sobra nada para comprar medicamentos. O que a gente precisa é de prevenção, um plano de ação e compromisso com as vidas”, afirmou Júnior.
“Os garimpeiros ficam intimidando, ameaçando profissionais para pegar remédios. Por causa desses problemas foram fechadas seis unidades básicas de saúde. Muitos yanomamis ficaram sem atendimento e morreram sozinhos sem nenhuma ajuda. Com os yanomamis também faltou gestão. Se fosse um trabalho dentro da comunidade, de atendimento, com médicos, não tinha gasto isso tudo”, completou.
Vale destacar que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estimulou a invasão de garimpeiros nas terras indígenas e os próprios garimpeiros se tornaram donos das empresas de transporte aéreo e começaram a impedir que profissionais de saúde, antropólogos, sociólogos e agentes públicos frequentassem a região.
Outro lado
O advogado da Missão Caiuá, Cleverson Daniel Dutra, disse, para o jornal O Globo, que o papel da ONG é apenas contratar funcionários da área de saúde, mas explicou que houve falha de gestão do governo federal, que não conseguiu levar os médicos e enfermeiros até as aldeias mais necessitadas.
“O convênio com o governo já existe desde 2019. Anualmente, os valores ultrapassam R$ 40 milhões, até R$ 45 milhões, no caso dos yanomamis. Mas nem tudo é repassado, há contingências. Esse valor exclusivamente é para a entidade contratar profissionais da área de saúde. Ele só dá essa soma maior (R$ 872 milhões) quando entram outras áreas. Posso depois enviar tudo que foi gasto com profissionais. O nosso maior problema é que disponibilizamos esses profissionais para o governo, técnicos de enfermagem, por exemplo, para a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e os Distrito Sanitários Especiais Indígenas (Dseis), que são os órgãos do governo estão no local. Mas o deslocamento do profissional, tirar das cidades e levar até as aldeias onde os indígenas estão, aí é de responsabilidade do governo federal. Eles que precisam contratar aeronaves ou terceirizar empresas. É responsabilidade deles.”
O advogado Cleverson Daniel Dutra informou que de 2019 a 2022 o orçamento previsto para a Caiuá atuar nas áreas yanomamis foi de R$ 182,28 milhões, sendo R$ 147,91 milhões executados. Ele reafirma que a entidade não tem qualquer responsabilidade relativa ao transporte dos profissionais e que, “eventualmente”, pode ter havido algum tipo de falha por órgãos federais. Ele também informa que não há documentos oficiais que mostram que houve a reclamação por parte da ONG dessas falhas de transporte, e que as questões relacionadas à precariedade são antigas, vêm desde 2011.
“Queremos destacar que os valores disponibilizados ao convênio não ficam com a entidade. Os recursos são depositados em conta da CEF e ficam vinculados via SICONV (portal de convênios) ao convênio firmado e são movimentados apenas com a apresentação de documentos comprobatórios de despesas e saem desta conta vinculada diretamente ao credor via SIAFI. As despesas são executadas em conformidade com o objetivo e etapas do convênio, não havendo possibilidade de movimentação para os outros fins. Deste modo a entidade apenas paga salários e encargos da contratação de profissionais (FGTS/INSS, férias 13º salário), ajuda de custos e diárias”.
“A entidade junto com a SESAI contratou 108 profissionais para compor uma força-tarefa de atendimento especial dos Yanomamis. A força-tarefa foi mantida para reforçar as equipes já existentes. O que atrapalhou as atividades foi a questão do garimpo e a violência contra profissionais dos garimpeiros”, afirmou.