A Polícia Federal (PF) tem centralizado inquéritos associados ao ex-presidente Jair Bolsonaro na Diretoria de Inteligência Policial (DIP), resultando no esvaziamento do setor encarregado de conduzir investigações em tribunais superiores.
Essa mudança desviou a principal função da diretoria de inteligência e aproximou as investigações sensíveis ao diretor-geral da corporação, o delegado Andrei Rodrigues, de acordo com membros da PF consultados pela Folha.
A DIP, que define a política de inteligência e realiza ações de contrainteligência e investigações sobre terrorismo, agora é responsável pelos inquéritos das milícias digitais, que envolvem os planos golpistas de Bolsonaro e aliados após as eleições de 2022, e a fraude no cartão de vacinação, entre outros.
A DIP também foi encarregada de investigar a hostilidade ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no aeroporto de Roma, na Itália.
A PF possui uma área específica, a Coordenação de Inquéritos nos Tribunais Superiores (CINQ), para conduzir investigações que tramitam no STF. No entanto, essa coordenação está esvaziada e com poucos delegados.
Delegados consultados pela Folha afirmaram que o desvio da função da diretoria de inteligência causa desequilíbrios entre os setores da PF, diminuindo a relevância do departamento responsável pelas investigações.
A DIP, por lidar com assuntos sensíveis, fica mais próxima da direção-geral da Polícia Federal. Sua recente transformação trouxe para perto de Andrei inquéritos ligados ao golpismo.
A direção é liderada pelo delegado Rodrigo Morais, amigo de Andrei Rodrigues. Ele é conhecido por ter sido o delegado responsável pela investigação sobre o atentado a faca contra o então candidato Jair Bolsonaro, em 2018.
Em nota, a Polícia Federal afirmou que a mudança ocorreu a partir do entendimento de que normas internas permitem que “casos sensíveis pudessem tramitar na Diretoria de Inteligência Policial”.
A DIP é a principal área da Polícia Federal que possui expertise e equipamentos de inteligência. Foi por meio dela que peritos e técnicos conseguiram desbloquear travas e acessar dados armazenados nas nuvens do celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
A investigação inicialmente devassou o dia a dia da Presidência da República em 2022 e, meses depois, descobriu a possível fraude no cartão de vacinação de Bolsonaro e aliados, o que motivou a prisão e posterior delação de Cid.
Por outro lado, no inquérito da hostilização de Moraes, o delegado Hiroshi Sakaki Araújo teve de deixar a investigação após incluir em relatório o diálogo entre Roberto Mantovani, suspeito de agredir o filho do ministro, e seu advogado —motivo de revolta na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Sakaki era do setor de contrainteligência da PF e foi substituído no inquérito pelo próprio chefe, Thiago Rezende.
As primeiras investigações sobre Bolsonaro foram para a DIP, em 2022, por acaso. A delegada Denisse Ribeiro conduzia o inquérito das milícias digitais, que tinha Bolsonaro como um dos alvos, quando precisou deixar a função para entrar em licença-maternidade.
O delegado Fabio Shor ajudava Denisse no inquérito e havia sido transferido meses antes para a diretoria de inteligência. Ele acabou escolhido para conduzir o caso. A apuração não voltou às mãos da delegada original e permaneceu na DIP.