Após o pleito municipal deste ano, o Núcleo Nacional de Evangélicos pelo PT (NEPT) se reuniu para fazer um balanço das eleições e alinhar as estratégias com o objetivo de se aproximar do segmento evangélico. Segundo o Coordenador Nacional do Setorial Inter-religioso do PT, Gutierres Barbosa, uma das intenções do partido é filiar quaisquer lideranças evangélicas, entre elas, pastores, para lançar suas candidaturas nos próximos pleitos.
Para Barbosa, o eleitor evangélico tende a se identificar com o candidato que possui a mesma fé, sobretudo no caso dos vereadores, que participam do cotidiano do município junto à comunidade. “Queremos dialogar não só com pastores, mas com o segmento evangélico como um todo. Como nosso partido aposta no trabalho de base, é necessário fazer esse diálogo com os vereadores. Então, fomentar que haja vereadores ligados às igrejas evangélicas, para nós, é muito importante, pois isso vai dando significado cada vez maior à nossa pauta e à nossa luta”, frisou o coordenador.
O Doutor em Ciências da Religião Gedeon Alencar avalia que a simples titulação ministerial não qualifica a pessoa como candidato. Na sua visão, tal estratégia do PT seria uma forma de instrumentalizar a religião para fins políticos.
“A tendência dessa instrumentalização é, cada vez mais, a descredibilização, tanto do partido quanto das titulações ministeriais. Acredito que as pessoas têm que se candidatar por ter um projeto de cidadania, por ter projeto de justiça social e por ter atuação na sociedade civil e não por ter um título ministerial”, ressaltou Alencar.
Já o veredor Carlos Bezerra Jr. (PSD-SP) analisa que tal mobilização do partido petista em direção aos evangélicos é “uma tentativa frustrada e desesperada do PT”, tendo em vista o panorama das eleições municipais deste ano, em que o partido saiu enfraquecido. De acordo com dados do Nexo Jornal, o PT ampliou o número de prefeituras, saindo de 182, em 2020, para 248, neste ano. No entanto, no ranking geral dos partidos que elegeram mais prefeitos, o Partido dos Trabalhadores ocupa a 9ª posição.
Bezerra Jr. afirma que, historicamente, o PT enfrenta dificuldades para atrair os evangélicos. O político, que é médico e pastor, defende que ter um reverendo na chapa não basta para atrair o segmento. “É essencial que haja convergência entre os valores defendidos pelos cristãos e o histórico de posicionamentos do partido. Acredito que o lançamento da candidatura de pastores pode até furar a bolha inicialmente, mas isso não seria suficiente para conquistar a confiança dos evangélicos que estão muito mais alinhados com a direita pelas pautas que têm defendido”, disse o vereador paulista.
Postura do PT é semelhante à dos demais partidos
Já o pastor da Igreja Batista Betânia no Rio de Janeiro, Kenner Terra, pontua que o comportamento do Partido dos Trabalhadores se assemelha ao já realizado por outros partidos, já que a lógica da atuação partidária está baseada em interesses políticos, que incluem ações para angariar votos. Nesse sentido, Terra salienta que os políticos em geral perceberam que o segmento evangélico abarca um capital de votos significativo.
“O PT, durante muitos anos, tentou dialogar com o povo, com um discurso ligado às políticas trabalhistas, mas não construiu uma boa relação com os evangélicos. Nos últimos anos, ele tem tentado fazer esse diálogo e, infelizmente, a partir de trocas de interesses. A minha perspectiva é a seguinte: o PT, como qualquer outro partido, está fazendo o que um partido político faz, que é dar benefícios para quem deseja angariar”, declarou o pastor.
O reverendo destacou que essa mobilização do PT em direção aos evangélicos não é uma novidade na política brasileira. “Esse movimento do PT é característico de partidos políticos. Bolsonaro fez isso, Lula está tentando fazer, Ciro também tentou, o PSDB também tem tentado fazer. Alguns movimentos foram feitos dentro do PT, evangélicos se aproximaram do PT, mas a parcela que o partido petista deseja alcançar e beneficiar é a daqueles evangélicos que não são, necessariamente, apoiadores da esquerda e do PT”, analisou.
Terra lamenta o fato de algumas igrejas e membros se posicionarem a favor de determinado candidato porque este representa os evangélicos na esfera pública e tem a possibilidade de, portanto, criar leis e políticas públicas que beneficiem as igrejas. Na ótica do reverendo, o único benefício que a igreja deveria desejar seria o partido respeitar a população e defender seus direitos.
“O PT é partido político, não tem compromisso com nada a não ser com os votos e seus próprios projetos. Agora, por que eles interpretam a igreja assim? Por que entendem que, dando benefícios para a igreja, ela será sua parceira? Porque a igreja, na história, demonstrou que é assim que a coisa acontece. E o pior é a igreja tratar isso com celebração. Então, dia especial para pastor, benefício tributário para a igreja, cargo político no governo, ministério que tenha um evangélico”, reiterou Terra.
Embora o reverendo reconheça que, em certa medida, o título de pastor atrai o eleitorado cristão, ele faz a ressalva de que a orientação do líder eclesiástico não determina voto. “Ainda se tem aquela ideia de que votar em um evangélico, de alguma forma, representa a igreja no poder. Mas, não precisamos mais cair na falácia de que orientação de liderança pastoral determina o voto dos crentes, porque nós temos muitos exemplos de que isso não acontece”, frisou.
O Coordenador Nacional do Setorial Inter-religioso do PT disse que compreende a preocupação de líderes religiosos e pesquisadores quanto à instrumentalização da fé em contextos políticos, sobretudo quando esta pode ser usada para fins eleitorais ou para manipular as crenças das pessoas. Mas ponderou que esse não é o objetivo do partido petista.
“Não podemos esquecer que o segmento evangélico é um dos que mais cresce no Brasil e, ao longo dos anos, a relação entre a política e a religião se tornou cada vez mais evidente. O PT, ao dialogar com esses grupos, está alinhando sua proposta de combate à desigualdade social com os princípios cristãos que defendem a solidariedade, a justiça e a equidade”, destacou Gutierres Barbosa.
Partido lançou mais de 2 mil candidaturas evangélicas
Gutierres Barbosa informou que o Partido dos Trabalhadores lançou 2.100 candidatos evangélicos nas eleições municipais deste ano, entre prefeitos, vice-prefeitos e vereadores. Em 2015, o partido criou o NEPT e, mais recentemente, vem se mobilizando em direção a este segmento cristão, como a realização do primeiro seminário virtual com os candidatos evangélicos pelo partido, em agosto deste ano. Segundo Barbosa, o partido elegeu quase 300 candidatos evangélicos, entre aqueles que concorreram aos três cargos nestas eleições.
“O segmento evangélico está se transformando, cada vez mais, em uma cultura evangélica no país. Então, o PT está empreendendo um conjunto de esforços no sentido de entender essa mudança na dinâmica religiosa brasileira. Na década de 70, 80, quando o partido foi criado, a preponderância era católica, hoje, as estatísticas mostram que, em 2040, o segmento evangélico será tão expressivo quanto o católico. Então, não só o partido dos trabalhadores, mas a esquerda como um todo, precisa se incorporar nesse debate religioso, porque é na igreja evangélica que há o círculo de convivência entre as pessoas, é onde existe aquele primeiro acolhimento dos necessitados, e isso tem a ver com a carta de princípios do PT”, disse o Coordenador Nacional do Setorial Inter-religioso do partido petista.